sábado, 11 de agosto de 2007

Casa de Pequim ainda resiste na rota da maratona olímpica

A um ano do início das Olimpíadas, chineses lutam para não ter casas demolidas. Um bairro histórico está sendo colocado abaixo para os Jogos Olímpicos.

Do 'New York Times'

Pequim comemorou a contagem regressiva de um ano para as Olimpíadas de 2008 na noite da última quarta-feira (8), com queima de fogos e muita pompa em uma cerimônia na Praça da Paz Celestial. A alguns quarteirões dali, Sun Ruoyu e sua irmã viram os desenhos coloridos no céu, mas não ousaram sair de sua casa em destroços.

New York Times
O restaurante da família Sun, que também é a casa da família, é o último prédio que está na rota da maratona, nas Olimpíadas de Pequim, em 2008 (Foto: New York Times)

Elas estavam numa contagem regressiva própria. O prédio de dois andares onde os ancestrais de Sun abriram uma padaria por volta de 1840 -cuja clientela incluía o imperador Qing e sua corte- está na lista de demolição de Pequim desde segunda-feira. Autoridades locais notificaram a família de Sun de que o prédio está no meio do trajeto da maratona olímpica. O terreno é necessário para o projeto de embelezamento. Um guindaste está parado do lado de fora do edifício. Demolição não é novidade nas imediações de Qianmen, um bairro histórico que está sendo colocado abaixo e reconstruído como uma área comercial para os Jogos Olímpicos. A novidade é que Sun se recusa a deixar o prédio. Ela é a última comerciante em uma rua que antigamente era cheia de lojas. Paisagistas já cobriram o restante do quarteirão com pequenas árvores e uma camada de gramado verde. O prédio de Sun é um elemento destoante que arruína a paisagem.
"Estou apenas esperando que eles venham derrubá-lo", disse Sun em uma entrevista dentro do prédio, na tarde de quarta-feira. Seu protesto está expresso em cartazes em inglês e chinês que ela colou na porta do prédio. "Isso é ilegal", declara um deles. "Tenho de usar minha vida para proteger nossa casa!"


Prazos
A mensagem oficial da semana de contagem regressiva é de que Pequim está dentro do prazo no que diz respeito aos preparativos para receber os jogos. Estádios e centros esportivos estão quase prontos. Equipes de construção estão trabalhando para terminar as novas linhas de metrô e novas ruas. Jacques Rogge, presidente do Comitê Olímpico Internacional, disse à agência de notícias estatal chinesa que os preparativos são "verdadeiramente impressionantes sob todos os aspectos." Ainda assim, também é verdade que para se reconstruir como uma cidade olímpica, Pequim realocou um número incontável de moradores, principalmente para dar espaço a novos projetos residenciais e comerciais com o objetivo de conferir à cidade uma aparência mais moderna e glamurosa. Um estudo recente feito por um instituto de pesquisa europeu estimou que 1,5 milhão de pessoas serão despejadas ou realocadas em Pequim até a abertura das Olimpíadas - um número muito difícil de se verificar. E mesmo que Pequim não seja a primeira cidade anfitriã a mover seus moradores, o ritmo de construção ao redor da cidade continua sendo impressionante.

Casas pregadas
Sun tem tentado com pouco sucesso atrair a atenção para o caso de sua família. Notícias circularam na internet, mas os jornais locais não tocaram no assunto. Evasões forçadas são politicamente delicadas na China; outros casos semelhantes inflamaram a opinião pública no país inteiro e alimentaram a raiva contra a corrupção do governo. Surgiu até mesmo um termo específico - "nail house" (ou "casa pregada") - para os prédios cujos donos se recusam a mudar mesmo depois que os prédios vizinhos foram derrubados. Na quarta-feira, alguns grupos de pessoas se reuniram do lado de fora do prédio de Sun, lendo os cartazes e os documentos oficiais pregados na porta. Uma bandeira australiana estava hasteada em um mastro próximo ao guindaste estacionado atrás do prédio. Sun disse que ela e seu marido emigraram de Pequim para Melbourne há mais de dez anos e se tornaram cidadãos australianos. O pai dela alugou o prédio por muitos anos, incluindo para uma mercearia estatal, antes de abrir ele próprio um restaurante em 2001. Sun disse que o prédio ficou famoso como padaria em Qianmen, uma área que era conhecida por suas lojas, pensões e bordéis durante a Dinastia Qing. Na primavera de 2006, Sun disse que avisos apareceram na vizinhança informando que os prédios seriam derrubados. Nenhuma outra explicação foi dada, disse ela. Meses se passaram, e outros comércios ao longo do quarteirão começaram a fechar. Então, no início desta primavera, autoridades locais apresentaram uma notificação explicando que a família de Sun teria que se mudar por causa da derrubada de prédios. A nota dizia que a cidade estava preparando o trajeto da maratona olímpica e que os prédios naquela área precisavam ser demolidos. O aviso terminava agradecendo à família por apoiar os Jogos Olímpicos de Pequim. Na sexta-feira, um oficial local voltou e colocou uma notificação declarando que a cidade se reservava ao direito de demolir o prédio a qualquer momento a partir de 6 de agosto. "Eles nem mesmo falaram comigo", disse Sun. Quando um trabalhador chegou com o guindaste na quarta-feira de manhã, Sun acenou para ele dos fundos do prédio. "Eu disse, 'Você não pode destruir esse lugar'", recorda. "Subi no guindaste e ele parou." Sun, que voltou de Melbourne para a China neste ano, buscou ajuda na Embaixada Australiana. O diplomata australiano que a aconselhou não foi encontrado pela reportagem na noite desta quarta-feira. Mas segundo Sun, o diplomata afirmou que a embaixada tem uma influência limitada num problema como esse e sugeriu que ela procurasse uma solução dentro do sistema legal chinês. Uma oficial chinesa envolvida no caso, contatada por telefone celular na quarta-feira à noite, recusou-se a comentar o assunto. Mas julgando pelo barulho ao fundo, ela parecia estar presente à cerimônia na Praça da Paz Celestial. Durante a cerimônia, o presidente do comitê organizador da Olimpíada de Pequim, Liu Qi, repetiu o slogan que, segundo ele, os moradores da cidade adotaram para se preparar para os jogos. "Eu participo, contribuo e me divirto", diz ele.


Motivos escondidos
Na tarde de quarta-feira, enquanto Sun falava a repórteres dentro do prédio, policiais interromperam a entrevista três vezes. Em um determinado momento, eles pediram passaportes e carteirinhas de identificação de jornalistas. Depois perguntaram se escreveríamos uma matéria sobre o caso e saíram. Sun acredita que os Jogos Olímpicos são apenas uma das razões pelas quais as autoridades locais querem derrubar sua casa. Ela disse que um oficial contou a ela que a área será transformada em um parque para as Olimpíadas, mas mais tarde será desenvolvida como uma área residencial e comercial de luxo. Autoridades ofereceram cerca de 1,6 milhões de yuans para a família (pouco menos de R$ 400 mil) pelo prédio - uma pechincha em uma das regiões mais caras da cidade. A família recusou. "Não importa o que eles oferecerem, não serei capaz de comprar um apartamento aqui", diz ela. "Quero poder morar aqui mesmo". E acrescentou: "Eles usaram as Olimpíadas para tirar as pessoas de seus terrenos. Eles estão fazendo isso contra o espírito dos jogos". Então, no momento, Sun e sua irmã esperam. O restaurante no andar debaixo está fechado. A demolição dos prédios adjacentes causou tantos tremores que as paredes estão com rachaduras. A família contratou guarda-costas para proteger as duas irmãs que dormem sozinhas na casa à noite. "Às vezes, tenho medo de que eles venham atrás de nós", disse Sun. "Corro olhar pela janela se ouço alguma coisa."

Tradução: Eloise De Vylder

Fonte: G1

Nenhum comentário: