Não era uma grande intérprete. Não era nem grande. Tipo "mignon" como se costuma dizer, Nara Leão, no entanto, era uma gigante. Firme em suas posições e de personalidade forte em suas escolhas musicais, apesar da visível timidez, Nara Leão notabilizou-se por gravar músicas de compositores novos. Foi uma das maiores intérpretes de Chico Buarque de Hollanda, cantou também Martinho da Vila, resgatou Zé Kéti. Popularizou as canções de protesto. E eclética e visionária, participou, também, da Tropicália, movimento de música brasileira liderado por Gilberto Gil e Caetano Veloso. Sem fronteiras, cantou com Fagner e outros nomes da música nordetina, como Robertinho do Recife e Geraldo Azevedo.
Nara participou, ativamente, do início da Bossa Nova. Reunia, em sua casa, nomes como Ronaldo Bôscoli (de quem chegou a ser noiva), Roberto Menescal (a quem fêz conhecer o Jazz e conhecia desde menina, também foi sua namorada), Carlos Lyra e João Gilberto, entre outros.
Em 1963, estreou com o musical, escrito por Vinícius de Moraes e Carlos Lyra, intitulado "Pobre menina rica". No ano seguinte estreou o show "Opinião", no teatro de mesmo nome de propriedade de Gianfrancesco Guarnieri. Foi, também, a responsável pelo lançamento de Maria Betânia, a quem chamou para substituí-la no show Opinião. Betânia, até então, era uma jovem cantora de Salvador. O show "Opinião" foi um marco na música popular brasileira pois foi o início da contestação ao período da Ditadura Militar no Brasil. Foi o início da resistência dos artistas à censura e falta de liberdade. Também no show, Nara Leão resgata o grande sambista Zé Kéti. Fêz o show ao lado dele e de João do Vale.
"Talvez tenha sido Nara, dentre as cantoras brasileiras, a primeira artista, após o movimento militar de 1964, a alçar o canto na direção da liberdade. Ao participar dos shows Opinião e, em seguida, Liberdade, Liberdade, a tímida Nara deu o primeiro "grito", repetido pela classe artística, alguns intelectuais, exilados e jornalistas, proclamando a necessidade do retorno do País à sua ordem democrática e Constitucional. Não parou aí. Ao longo dos anos de autoritarismo, tornou-se o símbolo da resistência no seio do movimento artístico. Instigante este traço de Nara Leão: tímida, recatada, recolhida em seu modo de cantar, de ser e de se expor; a partir da aparente fragilidade de seu ser, tomava decisões e posições com a firmeza necessária para transformar-se em liderança de natureza pública por meio da cultura. Possuía a decisão secreta e inabalável dos suaves. Havia, também, a consciência política e pública que a impelia para um engajamento e participação nas idéias e lutas de seu tempo. Alternar estados de espírito entre todas essas instâncias, às quais se entregava com sinceridade, dedicação, alto senso profissional e humano de inserção, foi a característica do conflito eternamente vivido por Nara Leão e resolvido sempre de maneira criativa e útil, pois conseguiu ser artista fiel e séria, mãe dedicada, cidadã participante e amiga certa."(Artur da Távola).
"O fato de apoiar todos os movimentos, desde que fossem bons, fez com que eu reunisse o maior repertório do Brasil. As pessoas podem ter discutido se eu canto ou não canto, se gostam ou não gostam, mas têm que admitir que a minha falta de preconceito em relação aos movimentos fez com que eu gravasse coisas antigas, novas e de vanguarda." (Nara Leão)
Não era uma grande intérprete, mas cantou grandemente com suavidade e simplicidade, que a tornaram uma gigante da música popular brasileira. Chamá-la de Musa da Bossa Nova é uma bela homenagem, mas é reduzir a sua imensa contribuição à música brasileira em geral, vez que ela mesma fêz questão de cantar diversos gêneros.
Há 18 anos perdemos Nara Leão - A grande!
crédito: foto no alto à direita de Mário Luiz Thompson; foto acima sem crédito
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