quinta-feira, 10 de maio de 2007

Bento XVI no Brasil

O Papa Bento XVI chegou ontem ao Brasil, especificamente, em São Paulo. É a terceira visita de um Papa ao país, as duas anteriores foram do Papa João Paulo II que ficou conhecido como o Papa Peregrinador. Pelo que podemos observar, o atual Papa mantêm esta missão iniciada por seu antecessor.

Trata-se de uma visão de Evangelização onde o pastor tem que ir até o seu rebanho, ficar próximo de seus fiéis. Isto aproxima a Igreja de seus seguidores.

Quando, há dois anos, faleceu o Papa João Paulo II e se aguardava a eleição do novo Papa, a imprensa brasileira tecia comentários sobre os desafios que aguardavam o novo escolhido para dirigir o rebanho dos católicos. Entre estes desafios abordava-se o tema da AIDS. O crescimento da doença no continente africano era atribuído à proibição da igreja católica so uso de preservativos. Ora, a meu ver, este é um argumento para lá de pueril. Por quê?

Estamos diante de uma religião milenar, que possui uma doutrina própria e que não obriga a ninguém seguí-la.

Não estou aqui para fazer a defesa de nada, apenas para refletir acerca de princípios que norteiam os valores pregados pela Igreja Católica. Entre estes princípios encontramos o de que a vida sexual dos cristãos tem início com o casamento e só dentro dele é permitida. Isto só já é o bastante para eximir de responsabilidade a Igreja Católica sobre o crescimento da AIDS na África.

Se a vida sexual inicia-se com o casamento e este é monogâmico não há porque se autorizar o uso do preservativo. Aliás, a castidade antes do casamento é mandamento em quase todas as religiões do mundo, pelo menos as de maior representatividade junto à população mundial, portanto, não se trata de um monopólio doutrinário da Igreja Católica.

As religiões têm o papel de orientar aos indivíduos para o convívio em comunidade, incutindo-lhes os valores que entendem como fundamentais para a vida na Terra. Isto ocorre na humanidade desde os primórdios da existência do homem. Os deuses sempre guiaram e orientaram os líderes comunitários na pré-história e o mesmo se repetiu ao longo da história nas mitologias gregas e romanas, entre outras, e depois na religiões monoteístas.

A humanidade sempre teve a necessidade de cultivar uma espiritualidade. A história e os monumentos deixados pelos nossos antepassados deixam isto bem claro.

Se observarmos as doutrinas das diferentes religiões que se mantêm ao longo do tempo veremos que todas têm valores rígidos e uma doutrina perene. A doutrina é o sustentáculo dos valores e princípios apregoados e está sempre ligada ao seu criador (Buda, Cristo, Maomé, Confúcio etc.). Assim sendo, não muda facilmente - pode se modificar alguma coisa doutrinária que não viole os princípios e valores da religião. O que muda são os ritos, que se adequam ao momento (não ao instante), muitas vezes determinados pelas transformações da humanidade. O crescimento da participação das mulheres dentro da Igreja Católica é um exemplo.

A religião se sobrepõe ao homem. Os homens são finitos, a religião perene. A religião está ligada a valores eternos, como por exemplo solidariedade, fraternidade, bem-comum, amor que estão presentes na história da humanidade e que se mantêm ainda vivos. Não conheço religião que valorize o egoísmo, o roubo, o homicídio. Do mesmo modo que não conheço religião que tenha se mantido ao longo do tempo por sucumbir aos interesses momentâneos dos homens.

O que reúne os fiéis em torno de seu líder espiritual é exatamente a concordância com aquilo que está sendo dito por este líder. Já que estamos falando principalmente do Catolicismo, vamos lembrar de Jesus Cristo. O que fêz dele um líder perante os seus apóstolos, e depois conseguindo a adesão de muitos, foram os valores por ele defendidos que estavam sendo esquecidos por alguns homens, como por exemplo o amor ao próximo. Este é o principal valor do Cristianismo e a partir dele surgem muitos os outros, como por exemplo, a solidariedade e o bem-comum.

Jesus não pregou a acumulação de riqueza, ao contrário, ele repartiu o pão, multiplicou os peixes, deu de comer a quem tinha fome. A acumulação de riqueza é um valor laico. Assim como são laicos os deveres com a saúde.

A AIDS é um problema de Estado e não de religião. É um problema dos indivíduos que têm que se cuidar e não de religião. É um problema dos homens casados que se querem ter uma vida sexual fora do casamento têm que se cuidar para não contaminar as suas esposas, como vêm acontecendo. Hoje, no Brasil, a AIDS cresce entre as mulheres casadas e fiéis aos seus maridos.

O risco de contaminação pela transfusão de sangue está bastante controlado, mas existe a janela de contaminação que é o período de encubação do vírus e que não é detectado durante os testes, geralmente onze dias. Portanto, colocar a Igreja Católica no centro desta discussão é tapar o sol com a peneira, pois o problema é de conscientização individual e de política pública de saúde.

Hoje, com a visita do Papa Bento XVI ao Brasil, a imprensa brasileira traz à tona outro tema polêmico - o aborto. A discussão agora é que a Igreja proíbe o aborto e as mulheres estão morrendo em consequência desta prática feita sem controle. De novo, a Igreja nada tem haver com isto. Por quê?

Não existe meio eficaz de prevenção da gravidez. O único é a abstinência sexual. O aborto é um tema complexo até mesmo em função do Estado que garante a vida como um Direito Fundamental. Não é simples discutir a vida, quando ela começa etc. e tal. Alguns defendem que a vida começa com a fecundação. Esta é a visão adotada pela Igreja desde 1869 quando o Papa Pio IX aceitou a definição de Karl Ernst von Baer, embriologista que em 1827, através de experiências, observou o ovo, ou zigoto, em divisão na tuba uterina, dando origem ao embrião humano. Outros dizem que a vida começa quando o cérebro se forma, vez que para ser decretada a morte também se leva em consideração o funcionamento do cérebro. E não para aí... Portanto, a questão está há anos luz de distância de ser pacificada. E penso que jamais será.

Aqui, novamente, temos o Estado no centro da discussão na medida em que não garante os Direitos Fundamentais dos seus cidadãos. Se não há educação, não há informação, pois esta não pode ficar delegada somente à mídia, que atende a determinados interesses.

Dos valores que nortearam a Revolução Francesa e firmaram o paradigma da modernidade, a liberdade foi confundida com libertinagem, a individualidade foi confundida com individualismo. E a sociedade contemporânea, pós-moderna, transformou-se numa sociedade individualista e libertina (não vai aqui nenhuma avaliação moralista e sim moral). O que interessa sou eu e o resto é o resto, depois eu vejo. Isto pode ser visto em várias situações de nosso cotidiano - a prática de apropriação de dinheiro público perpetrada por alguns de nossos políticos é um exemplo. Assim sendo, se o político entende que a vida pública é para beneficiar a ele individualmente, ele rouba o dinheiro que deveria ser destinado à construção de escolas, a manutenção de hospitais públicos etc.

De novo temos a ausência do Estado na execução de seu papel. Portanto, discutir o aborto não é tarefa exclusiva da Igreja. É de toda a sociedade e de todas as áreas do conhecimento (humanas, sociais, biomédicas e tecnológicas). Responsabilizar a Igreja pela morte de mulheres em decorrência da prática do aborto é, da mesma forma, reduzir o tema a uma forma pueril de discussão.

Como disse Jesus: "dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus".

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