A Constituição de 1988 assegurou aos índios o direito à diferença, o direito dos índios receberem tratamento diferenciado, é dizer, a Constituição reconhece aos índios direito de terem cultura diferente, relações diferentes e direitos diferentes. A Constituição reconheceu multietnicidade do país, rompeu e relativizou a postura universal predominante excludente das diferenças, imposta por regras fundadas em ideologia homogeneizante, criadoras do sujeito abstrato, individual e formalmente igual.
Em inequívoco vigor no Brasil desde 19 de abril de 2004, a Convenção 169 da OIT impõe aos estados signatários o dever de reconhecer que a diversidade étnico-cultural dos povos indígenas deve ser respeitada em todas as suas dimensões. A Convenção 169 da OIT obriga os governos a assumirem a responsabilidade de desenvolver ação coordenada e sistemática com vistas a proteger os direitos desses povos e a garantir o respeito pela sua integridade, e garantir o gozo pleno dos direitos humanos e liberdades fundamentais, sem obstáculos nem discriminação.
A partir da Constituição de 1988 houve a edição de diversos instrumentos normativos garantidores de direitos aos índios. O avanço do trato da questão indígena pelo sistema normativo brasileiro é fato. Contudo, a eficácia das garantias postas ainda não é evidente. Com efeito, reiteradamente ocorrem situações onde o Judiciário não aplica devidamente os direitos consagrados aos índios pelo sistema positivado, dando decisões amparadas em doutrina e jurisprudência fundadas na ultrapassada visão integracionista, que via o índio como um ser fadado ao desaparecimento, obrigado a se amoldar ao padrão da sociedade envolvente.
Por vezes é afirmada a inexistência de direito a ser assegurado em razão de o índio estar “aculturado”, ou seja, por ele dominar a língua portuguesa e estar amoldado a costumes da sociedade consumista (como uso de telefones celulares, de carros). Isso é um equívoco. A Funai estima a existência de 100 a 190 mil índios vivendo fora de aldeias, inclusive em áreas urbanas. Índio não é somente aquele individuo que vive nas selvas e sem roupa. Índio é todo indivíduo de origem e ascendência pré-colombiana que se identifica e é identificado como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da sociedade e cultura predominantes.
Os direitos estabelecidos na legislação indigenista brasileira não podem ser contemplados apenas aos índios que vivem em aldeias, somente aos índios que tiveram ou têm pouco ou nenhum contato com a cultura da sociedade não indígena. É impositivo também sejam assegurados aos índios que sorveram da “doce, mansa e pacífica” cultura dos brancos, conhecidos como índios do asfalto ou índios das cidades, os direitos previstos na legislação indigenista, desde que esses índios sejam reconhecidos pela comunidade indígena como tais.
O desafio atual não mais se relaciona à inclusão jurídica, ao reconhecimento dos direitos indígenas, mas com a real e efetiva aplicação dos direitos já consagrados. O direito positivo avançou e o Poder Judiciário também deve avançar, garantindo eficácia às leis editadas em favor dos índios. Deve ser reexaminada a jurisprudência que ainda predomina, em grande parte construída no século passado sob o pálio de ultrapassada visão etnocêntrica e integracionista, que cuidava dos índios como categoria obrigada ao desaparecimento.
Cumpre ao Judiciário assegurar o respeito e o efetivo reconhecimento da diversidade étnico-cultural dos povos indígenas, imprimindo eficácia à Constituição de 1988 e aos comandos da Convenção 169 da OIT. Cabe à União, aos Estados, aos municípios e a todos os cidadãos, respeitar e fazer respeitar os direitos dos índios. Situação como a verificada na região de Dourados (MS), onde novamente é verificada grande mortandade de crianças indígenas por desnutrição, tem que ser solucionada e definitivamente evitada.
Nada adianta negar a existência dos índios, é preciso adotar políticas públicas e formas de agir que assegurem a convivência harmônica entre as culturas diferentes. Cabe aos poderes constituídos, aos entes federados e aos cidadãos, a adoção de meios e formas de agir para que isso ocorra. Ao Judiciário compete a grave missão de tornar efetivas as garantias asseguradas aos índios na Constituição de 1988, na Convenção 169 da OIT e nos diplomas legais de regência, impondo eficácia ao direito à igualdade por intermédio do respeito à diferença, garantindo, dessa forma, de modo eficiente e eficaz, o direito à vida em todas as suas formas.
por Roberto Lemos dos Santos Filho, Revista Consultor Jurídico, 19 de abril de 2007
Um comentário:
Muito bom seu blog. Obrigada por ter citado o meu....
Rose Marinho Prado
Do aulas de redação
( Stefavie e Antonio Alonso. Sobre índios e implicações)
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